Você conhece o critério utilizado para definir uma doença como rara?
Entende-se como doença rara aquela que acomete até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Elas representam um vasto grupo (são cerca de 7 a 8 mil tipos diferentes) e, em geral, são crônicas, progressivas e degenerativas.
De acordo com o Ministério da Saúde, 13 milhões de brasileiros, aproximadamente, sofrem com algum tipo de doença rara. E, embora não haja um tratamento eficaz para cura, há alternativas de medicamentos para o tratamento de seus sintomas, com o objetivo de garantir maior qualidade de vida às pessoas acometidas pelas respectivas enfermidades.
Abaixo, nossos médicos especialistas detalharão três doenças raras comuns em nosso País: Anemia Aplástica, Doença de Crohn e Imunodeficiência Primária (IDP).
Anemia Aplástica (Abordagem – Dr. Evaldo Landi)
A anemia aplástica (AA) é uma doença rara, com incidência de 1,5 a 7 casos por milhão de habitantes por ano nas idades de 25 e 60 anos, respectivamente. A sobrevida em 5 anos está estimada em 90% para pacientes com menos de 40 anos de idade, 70% para pacientes entre 40 e 60 anos e 40% para pacientes com mais de 60 anos.
O termo anemia aplástica designa a condição de “medula óssea vazia”. A doença é caracterizada pela insuficiência na produção de células do sangue: glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas.
Os sintomas são de instalação gradual, como palidez, cansaço, tontura e falta de ar aos pequenos esforços pela anemia, febre e infecções pela redução dos glóbulos brancos e sangramentos pela redução das plaquetas.
Com relação à etiologia, a AA pode ser congênita, geralmente associada a alterações genéticas, pode resultar dos efeitos tóxicos de químicos, como o benzeno, e radioatividade ou pode ser autoimune, quando as células do sistema imunológico da própria pessoa destroem as células precursoras da medula óssea e o seu nicho.
A suspeita de AA ocorre com a acentuada diminuição dos glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas no exame de hemograma, e o diagnóstico é confirmado pela biópsia de medula óssea com a caracterização da “medula óssea vazia”.
O tratamento inicial é de suporte com a transfusão de glóbulos vermelhos e plaquetas e uso de antibióticos para o tratamento das infecções. Quanto menor o número de glóbulos brancos, mais grave é a doença e mais rapidamente deve ser iniciado o tratamento.
O melhor tratamento para 0s pacientes jovens, com menos de 40 anos de idade é o transplante de medula óssea (TMO). O TMO é curativo para 80 a 90% dos pacientes, porém aplicado em apenas 10% dos pacientes diagnosticados com AA. Para pacientes com mais de 40 anos de idade e pacientes não elegíveis para o TMO, é realizada terapia imunossupressora com gamaglobulina antitimocítica e ciclosporina. Com esse esquema, a recuperação medular ocorre em até dois terços dos pacientes.3
No protocolo clínico RACE, o medicamente Eltrombopague foi associado à terapia imunossupressora, o que aumentou a taxa de recuperação e a intensidade da resposta, além de reduzir o tempo de resposta para recuperação medular.4
O tratamento da AA já é uma história de sucesso. O desenvolvimento dos bancos de medula óssea e das técnicas de transplantes, assim como a adição do Eltrobopague à terapia imunossupressora, irão seguramente melhorar as chances de recuperação e a qualidade de vida dos pacientes com AA.
Doença de Crohn (Abordagem – Dr. Daniel de Castilho)
É uma doença inflamatória autoimune de causa desconhecida, que pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal. Porém, ela compromete, preferencialmente, o íleo (parte inferior do intestino delgado) e o cólon (parte inferior do intestino grosso). Com intensa ação invasiva, a enfermidade ataca todas as camadas da parede intestinal e se manifesta de forma igual em homens e mulheres (com incidência maior na faixa etária dos 20 aos 40 anos e entre os fumantes).
Seus principais sintomas são: dores abdominais associadas à diarreia (frequentemente após as refeições), enfraquecimento, febre e perda de peso. Entretanto, a Doença de Crohn também pode causar dores articulares, lesões na região anal (fístulas e abscessos), inflamação nos olhos e pedras nos rins e na vesícula.
No contexto diagnóstico, os exames de imagem (endoscopia digestiva e colonoscopia) são de fundamental importância para a identificação da Doença de Crohn. O tratamento, que classifica o grau de evolução da enfermidade como leve, moderado ou grave, tem como foco a contenção das inflamações, de forma a aliviar os seus respectivos sintomas. No entanto, caso não haja resposta às medicações prescritas, o quadro poderá demandar intervenção cirúrgica para desobstrução intestinal.
“Em períodos de maior manifestação da doença, os pacientes podem demandar um tratamento hospitalar. Mas, dependendo do grau de evolução da enfermidade, é possível manter uma vida normal tendo a Doença de Crohn.
Imunodeficiências primárias – IDP (Abordagem: Drª. Renata Melo)
As imunodeficiências primárias (IDP) são uma área recente e ainda pouco conhecida da medicina. Embora na América do Norte e Europa se estime que sua incidência seja semelhante à da fenilcetonúria e do hipotireoidismo congênito (afecções congênitas que contam com triagem neonatal), ainda faltam dados quanto à sua real incidência na população brasileira. São alterações congênitas de um ou mais componentes do sistema imunológico, sendo mais comum no sexo masculino e em populações com alta frequência de consanguinidade .
Chegar à conclusão de que uma pessoa tem IDP não é tarefa simples. Atualmente, cerca 70% a 90% dos pacientes ainda não estão diagnosticados. Para auxiliar os médicos no diagnóstico, foram listados os 10 principais sinais para crianças e adultos que podem caracterizar uma pessoa com imunodeficiência primária. São eles:
Sinais de alerta em crianças
- Duas ou mais novas otites por ano;
- Duas ou mais novas sinusites no período de um ano, na ausência de alergia;
- Uma pneumonia por ano;
- Diarreia crônica com perda de peso;
- Infecções virais de repetição (resfriados, herpes, verrugas);
- Uso de antibiótico intravenoso de repetição para tratar infecção;
- Abcessos profundos de repetição na pele ou órgãos internos;
- Monilíase persistente ou infecção fúngica na pele ou qualquer lugar;
- Infecção por microbactéria da tuberculose ou atípica;
- História familiar positiva de imunodeficiência
Sinais de alerta em adultos
- No Duas ou mais pneumonias no ano
- Quatro ou mais otites no último ano
- Estomatites de repetição ou monilíase por mais de dois meses
- Abcessos de repetição ou ectima
- Um episódio de infecção sistêmica grave (meningite, osteoartrite, septicemia)
- Infecções intestinais de repetição/diarreia crônica
- Asma grave, doença do colágeno ou doença autoimune
- Efeito adverso ao BCG e/ou infecção por microbactéria
- Fenótipo clínico sugestivo de síndrome associada à imunodeficiência
- História familiar positiva de imunodeficiência
Nas IDP existe um grupo que classificamos como imunodeficiências combinadas graves (severe combined immunodeficiencies – SCID) abrangem doenças genéticas heterogêneas, caracterizadas por fragilidade da imunidade celular e humoral. O diagnóstico de SCID é uma emergência pediátrica: os bebês são assintomáticos ao nascer, mas podem evoluir para óbito por infecções durante o primeiro ano de vida, caso não sejam diagnosticados e tratados adequadamente. A maioria dos pacientes apresenta linfopenia substancial de células T. As células B, quando presentes, não são funcionais, devido à falta de interação com as células T. A incidência de SCID é estimada em 1/50.000 a 1/100.000 nascimentos. Esses números podem ser subestimados, porque algumas crianças de fato podem morrer antes que a doença seja diagnosticada.
Assim a triagem neonatal do SCID permite o diagnóstico precoce e seu tratamento curativo. Existe a terapia com reposição de imunoglobulinas, antibióticos e antifúngicos pode auxiliar na prevenção de infecções, porém não é curativa. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatra (SBP) descreve que o tratamento curativo disponível é o transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH).
Antes do surgimento de infecções, o TCTH possui maior chance de sucesso no tratamento. Quando realizado em até 3 meses e meio de vida, a sobrevivência é de 96%. No entanto, este número é reduzido para 66%, devido ao estabelecimento de infecções.