Setembro Amarelo: especialistas do HUSF põem o suicídio em pauta

Ao passo que experimenta o avanço de incríveis tecnologias, o mundo segue registrando índices alarmantes de suicídio. Estatísticas atualizadas em agosto de 2018 pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) atestam que cerca de 800 mil pessoas decidem pôr fim à própria vida todos os anos – medida extrema que representa a segunda principal causa de óbitos entre jovens com idade entre 15 e 29 anos. E, para cada morte contabilizada, há inúmeras tentativas que resultaram em dilacerações e outras graves consequências ao corpo e à mente. 

Ciente da necessidade de discutir o delicado tema, o Hospital Universitário São Francisco na Providência de Deus, destacando a campanha nacional do Setembro Amarelo e o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10/9), põe o suicídio em pauta com a análise de duas especialistas da instituição: a médica psiquiatra Dra. Camilla Nicolucci (CRM 143.749), que é mestre e doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade São Francisco; e Alessandra Regina Valente Guanais (CRP 06/83086), psicoterapeuta e psicóloga em saúde mental, que elucidaram com propriedade as principais dúvidas e tabus sobre o complexo assunto. 

Além de compartilhar nosso conteúdo especial, pedimos para que você fortaleça a corrente do bem divulgando o trabalho do Centro de Valorização da Vida (CVV), que realiza apoio emocional e de prevenção ao suicídio atendendo de forma voluntária e gratuita todas as pessoas que querem e precisam conversar. O contato, feito sob total sigilo, pode ser feito via telefone (número 188) ou chat (www.cvv.org.br). 

Sinais de alerta 

Embora não haja nenhum tipo de sintoma específico que identifique uma pessoa com ideações suicidas – afinal, tais manifestações possuem caráter individual –, Dra. Camilla Nicolucci destaca a existência de evidências e sinais de alerta que devem ser do conhecimento de todos, tais como: falta de esperança e ânimo; ausência de planos para o futuro; tratativa de assuntos pendentes; escritura de testamento; aparecimento, mudança ou piora de problemas de comportamento ou humor (tristeza, isolamento ou desprazer); expressão de ideias de que a morte é a única e melhor saída e isolamento. 

A médica psiquiatra aponta a existência de estudos responsáveis por relacionar fatores genéticos e de hereditariedade dos transtornos mentais com inclinações suicidas. Porém, até o momento, como esclarece a profissional, não há nenhum exame capaz de detectar tal risco nas pessoas. 

“Isso nos mostra que o histórico familiar é importante, mas não mandatório. Assim, não podemos entender um histórico de suicídio na família como condição condenatória, afinal, as alterações genéticas seguem sendo estudadas, gerando um campo vasto de hipóteses”. 

Segundo dados do Ministério da Saúde, as lesões autoprovocadas por tentativas de suicídio são maiores em mulheres, entretanto, o risco de suicídio em homens é maior. “Altos índices também são registrados em idosos com mais de 70 anos, com incidência em indivíduos solteiros, divorciados ou viúvos”, completa Dra. Camilla Nicolucci. 

Depressão versus suicídio 

De acordo com Alessandra Regina Valente Guanais, psicoterapeuta e psicóloga em saúde mental, nem todo suicídio é resultado de uma depressão. “Trata-se de um quadro complexo e multifatorial, que também leva em consideração aspectos internos (formação de personalidade; meio em que a pessoa cresceu e viveu; mundo interno individual) e externos (representados por condições da vida, tais como doenças graves; perdas importantes de empregos e status e demais acontecimentos que fogem ao nosso controle, mas são encaminhados pelo destino)”, explica a especialista. 

Entretanto, Alessandra enfatiza que casos graves de depressão representam a maior causa de suicídios, panorama onde a utilização de substâncias psicoativas deve ser igualmente observado: “A substância psicoativa pode alterar o estado de consciência. Portanto, pode ser um gatilho ou agravante para o ato suicida.”. 

Quando amor e carinho não são suficientes 

É do senso comum entender que a família pode contribuir para o fim de casos graves de depressão. Porém, a psicoterapeuta e psicóloga explica que, por melhor que seja a intenção da família, a pessoa não desistirá do suicídio apenas recebendo amor e carinho. 

“Precisamos ir além da boa vontade. Ainda que seja um núcleo amoroso, a depressão grave requer a soma entre apoio familiar, tratamento psicológico e tratamento psiquiátrico. A comunicação com a pessoa observada é fundamental, afinal, o assunto de suicídio é um tabu, mas representa, somente, o primeiro passo”, pontua Alessandra. 

A especialista argumenta, no entanto, que a sociedade e a mídia possuem um papel fundamental neste processo, pois têm o poder de alertar a faixa etária mais vulnerável às inclinações de suicídio. 

“A mídia, os influenciadores digitais e a sociedade em geral podem desempenhar uma função essencial, pois alcançam de modo eficaz e fiel a faixa de maior letalidade (15 a 30 anos). Assim, divulgações de informações importantes a respeito do suicídio (causas, efeitos e tratamento) devem ser enfatizados nas respectivas programações”. 

O trabalho do médico psiquiatra 

Dra. Camilla Nicolucci explica que o trabalho do médico psiquiatra durante a intervenção especializada contra o suicídio é identificar os sinais de alertas e sintomas e encaminhar o tratamento adequado para cada pessoa, informando a respectiva família sobre os riscos envolvidos no processo. 

“O tratamento é específico para cada pessoa e varia de acordo com quadro, sintomas, tipos de transtorno e rede de apoio, podendo ser ambulatorial, em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), internação em Hospital-Dia ou internação fechada”. 

O trabalho do psicólogo 

“O trabalho do psicólogo é de apoio emocional, escuta técnica especializada e acolhimento. Contribuímos no processo do autoconhecimento, para que o paciente desfaça crenças mentais no sentido de desvalorização individual, que levam à baixa autoestima e aos pensamentos de que ele é um nada ou que as pessoas não o amam. Esse sentido de vazio é o que causa desesperança e inércia em relação à continuidade da vida. Assim, lutamos, diariamente, pela ressignificação das emoções”, sublinha Alessandra, responsável por organizar terapias individuais e atividades em grupo no Hospital-Dia da instituição.